Mulher com máquina fotográfica em alusão a busca de propósito de vida e significado no trabalho. Fonte: Marcelo Chaga/Pexel.

Como relacionar propósito de vida e trabalho no pós-pandemia?

Cabe aos líderes em gestão de pessoas, aprendizagem e inovação sacar como promover um “encontro” dos trabalhadores com os propósito de vida e de trabalho, abrir os canais de comunicação e colher os benefícios.

Recentemente, a editora da Talent Management, Lauren Dixon, reverberou algumas importantes pesquisas realizadas nos EUA sobre a questão do propósito de vida nas atividades cotidianas no ambiente de trabalho. Para a força de trabalho contemporânea, essa questão é crucial.

Pesquisa da Gartner sobre propósito e significado

A empresa de consultoria Gartner, localizada no estado de Connecticut, nos EUA, monitorou de perto as movimentações no mercado de trabalho durante a pandemia. De acordo com a pesquisa, “O futuro do trabalho reinventado“, mais de 4,5 milhões de pessoas nos EUA deixaram voluntariamente seus empregos em novembro de 2021. Recentemente, a consultoria publicou algumas análises importantes sobre isso.

Primeiramente, há que se entender melhor sobre o que eles chamam de a “Grande reflexão”, para poder entender a “Grande renúncia“. Uma vez que a pandemia do COVID-19 obrigou os trabalhadores a se absterem do escritório para trabalhar de casa, isso eliminou muito tempo gasto com deslocamentos e outras trivialidades inerentes aos deslocamento de casa ao trabalho. Com essa desaceleração da vida ordinária, os funcionários tiveram mais tempo para considerar o que o trabalho significa para eles, pessoalmente, e como o trabalho que desenvolvem se relaciona com o mundo.

Nesse sentido, a pesquisa da Gartner revelou que 65% dos funcionários dos EUA afirmaram que a pandemia realmente os fizeram repensar o papel que o trabalho deveria ter em suas vidas. Além disso, 56% disseram que a pandemia também os fizeram querer contribuir mais para a sociedade. Em outras palavras, os funcionários buscam propósito e significado em suas vidas profissionais. Portanto, a “Grande renúncia” não explica por si só a mudança fundamental que está acontecendo no mercado de trabalho.

Assim, em segundo lugar, é preciso prestar atenção na forma como as pessoas estão refletindo sobre suas vidas e o significado que o trabalho traz para elas. Na medida em que a pandemia do COVID-19 perdura até 2022, é preciso abrir os canais de diálogo e comunicação no ambiente de trabalho para entender o que está se passando na mente dos trabalhadores, isto é, suas reflexões sobre os propósitos de vida, o papel do trabalho e o significado da sua empresa nisso. Em suma, as empresas precisam ter um significado no propósito de vida dos funcionários.

“As pessoas começaram a pensar que se vão trabalhar tanto, se vão dedicar tanto tempo e energia a uma empresa, querem gostar de onde estão”, diz Amy Polefone, presidente do HR Strategy Group LLC.

É esse sentido de valor pessoal dos trabalhadores que está no centro dessas grandes mudanças. E os diálogos e a comunicação devem abordar as reflexões que os funcionários estão realizando com base em questões como:

  • O que me faz feliz e completo?
  • O que realmente me satisfaz?
  • Onde eu dei muito de mim para pouco retorno?
  • Posso voltar a fazer da mesma forma o que fazia antes da pandemia?
  • Considerando a família, viagens, trabalho, vida? Eu devo voltar ao “normal”?
  • Meu bem-estar depende da minha capacidade de inovar, imaginar um novo futuro e dar passos em direção a ele, mas como deve ser esse futuro?

A conclusão da pesquisa da Gartner é, por conseguinte, que as pessoas desenvolveram um novo senso de consciência e valor para si mesmas e para o mundo ao seu redor. Isso as leva a exigir mais valor e propósito pessoais tanto na vida quanto no trabalho. Cabe aos empregadores inteligentes reconhecerem essa verdade e responderem com um acordo de emprego mais humano e orientado a propósitos.

Pesquisa da McKinsey sobre propósito e valores

A pesquisa da McKinsey revelou outro aspecto fundamental para melhor entendermos a relação entre a “Grande renúncia” e a “Grande reflexão”. Acontece que a maioria das pessoas considera seu trabalho diário a principal maneira de acessar um senso de propósito, em oposição as atividades realizadas fora do horário de trabalho. De acordo com a pesquisa, cerca de 70% dos trabalhadores sentem que seu senso de propósito está ligado ao seu trabalho.

Entretanto, com as mudança nos arranjos de trabalho que a pandemia trouxe, os trabalhadores passaram a considerar essa relação entre trabalho e propósito de vida de modo mais crítico. Em outras palavras, eles passaram a prestar mais atenção nos impactos na saúde relacionados ao trabalho. Com efeito, a pandemia levou as pessoas a questionar a razoabilidade de suas cargas de trabalho e os desafios emocionais de seus dia a dia.

Com base nessas constatações, a McKinsey analisou o papel que o trabalho pode desempenhar no propósito individual, com destaque para aquilo que os funcionários querem dos empregadores e o que eles não estão recebendo em troca. A consultoria com raízes na Universidade de Chicago ainda descreve o que você pode começar a fazer a respeito.

Relação com os arquétipos de propósitos

Antes de mais nada, é útil considerar o contexto em que o propósito individual opera no trabalho, bem como os desafios únicos que ele apresenta para os empregadores. O propósito individual pode ser pensado como um sentido duradouro e abrangente do que importa na vida de uma pessoa. Com efeito, as pessoas experienciam seus propósitos de vida quando se esforçam em direção a algo significativo para elas.

Nesse caso, é possível falar em padrões claros, ou arquétipos de propósito, que ajudam os empregadores a categorizar o que as pessoas acham significativo. Contudo, em última análise, o propósito de alguém pode ser tão variado quanto as próprias pessoas.

Arquétipos de propósito de vida e valores.
Arquétipos de propósito de vida e valores.

O resultado é que, embora as empresas e seus líderes possam ter uma grande influência sobre o objetivo individual de seus funcionários, eles têm controle direto limitado sobre ele. As empresas, portanto, precisam ir ao encontro dos funcionários onde eles estão para ajudá-los a otimizar sua sensação de realização no trabalho.

RELAÇÃO ENTRE PROPÓSITO E TRABALHO

Para entender melhor como fazer isso, entra em jogo a relação conceitual entre o propósito de um indivíduo e seu trabalho, com base na apresentação dos três círculos concêntricos. O propósito de cada um pode ser único, mas parte dele – grande ou pequeno – vem de forças fora do trabalho, assim como uma parte vem do próprio trabalho diário. Esses últimos são os círculos mais externos e médios, respectivamente, e variam em proporção entre si de pessoa para pessoa.

Círculos concêntricos entre propósito de vida e trabalho.
Círculos concêntricos entre propósito de vida e trabalho.

Vamos analisar como os círculos concêntricos entre propósitos e trabalho nos ajudam a entender essa valiosa relação.

  • Caso 1: funcionário obtém muito pouco propósito de seu trabalho. Neste caso, o tamanho do círculo do meio será menor.
  • Caso 2: funcionário acha seu trabalho muito proposital. Neste caso, ele será maior.

Intuitivamente, então, o tamanho do círculo do meio representa a parte do propósito de alguém que é acessível pelo trabalho – e também quanto propósito os funcionários desejam de seu trabalho – e pode crescer ou diminuir. Os empregadores devem ver esse círculo intermediário como um alvo que eles se esforçam para entender e atingir. Eles devem influenciar a expansão desse círculo, se puderem.

Já o círculo mais interno (propósitos da organização) representa os meios de influência da empresa, ou seja, é o único aspecto do propósito que as organizações controlam. Vamos ver isso mais de perto. Aquilo que está ao controle da empresa é:

  • estabelecer um propósito corporativo que considere o papel e a contribuição da empresa para a sociedade
  • fornecer aos funcionários formas significativas de refletir sobre os esforços da empresa e seu impacto
  • melhorar a saúde subjacente da organização e sua cultura
  • reforçar a inclusão e a experiência do funcionário
  • mudar o próprio trabalho.

Como líder da empresa, você deseja ver a esfera de influência relativamente pequena da organização se expandir para corresponder ao tamanho do próprio senso de propósito do funcionário no trabalho (o círculo do meio). Quanto mais próximo o propósito da empresa fica do círculo do meio, mais realizado o funcionário fica. Além disso, uma correspondência mais próxima dá à empresa mais oportunidades para os funcionários buscarem – e esperarem – mais propósito no trabalho e se sentirem mais alinhados com o propósito da organização.

Outras descobertas da pesquisa da McKinsey

Uma vez que a relação entre os propósitos dos trabalhadores e o trabalho foi exibida acima, a pesquisa também revelou algumas nuances sobre isso.

  1. Como foi apontado, cerca de 70% dos trabalhadores sentem que seu senso de propósito está ligado ao seu trabalho. Entretanto, a pesquisa descobriu que a distância entre empregadores, executivos e/ou alta administração, de um lado, e os gerentes, coordenadores e demais trabalhadores de linha de frente, do outro lado, cresceu rapidamente. Nesse caso, 85% dos executivos e da alta administração disseram que estão vivendo seu propósito de vida no trabalho enquanto que apenas 15% dos gerentes e funcionários da linha de frente concordaram com essa afirmação. Pior, quase metade desses funcionários discordou explicitamente dessa afirmação, mostrando um abismo entre seus propósitos e o trabalho.
  2. Uma análise mais minuciosa sobre essa questão trouxe novas descobertas. Por que, por exemplo, os gerentes e funcionários da linha de frente são muito menos propensos do que outros a confiar no trabalho com uma fonte de realização de propósito? A análise dos dados sugere que isso está relacionado à influência de líderes míopes. Essas lideranças podem estar condicionando esses trabalhadores a se sentir assim. De fato, quando investigou-se mais os dados, comprovou-se que os gerentes e funcionários da linha de frente eram dez vezes menos propensos do que os colegas de nível gerencial a dizer que tiveram oportunidades de refletir sobre seu propósito de vida. E nove vezes menos propensos a dizer que trabalhavam com um gerente disposto a promover oportunidades para eles trabalharem em projetos com propósito. Ao mesmo tempo, os gerentes demonstraram baixo interesse em compartilhar os propósitos e valores da empresa com os colegas da linha de frente.
  3. Por fim, a pesquisa demonstrou que os trabalhadores que alcançaram uma sintonia na relação entre seus propósitos e o trabalho apresentaram melhores resultados no trabalho, e na vida pessoal, do que os que estão em desarmonia.

Em suma, as organizações devem aspirar à uma cultura interna que garanta que o propósito de seus funcionários seja cumprido no trabalho. De certo modo, como vimos, isso é valioso independentemente de os funcionários inicialmente pensarem que dependem do trabalho para isso ou não. De qualquer modo, os benefícios de uma cultura organizacional voltada à relação entre propósitos de vida e trabalho é mútuo entre organização e trabalhadores.

Autenticidade da cultura organizacional

A essa altura você já pode estar se questionando se essa “Grande reflexão” é uma fase passageira dos trabalhadores e logo tudo volta ao batidão normal. Não se engane, esse movimento veio para ficar…

Além do mais, aos líderes que levarem isso a sério, está o fruto de poder ajudar sua empresa a se tornar um lugar melhor para trabalhar e aproveitar o enorme potencial de negócios de uma força de trabalho com propósito alinhado com uma organização orientada por propósitos.

Isso significa que abrir o diálogo e a comunicação para tratar de propósitos no ambiente de trabalho não deve ser apenas mais uma iniciativa da empresa. Ao invés de impor de cima para baixo, é preciso abrir os canais e estar aberto a escutar. Caso contrário, caso a abordagem emerja com inconsistência, hipocrisia ou arrogância, provavelmente fará mais mal à organização – e à sua reputação – do que bem.